Ensaio crítico à teoria das nulidades



ENSAIO CRÍTICO ACERCA DA TEORIA DAS NULIDADES

César Fiuza

Advogado. Consultor jurídico.
Doutor em Direito pela UFMG.
Professor de Direito Civil nos Cursos de Graduação e de Pós-graduação da PUCMG, da UFMG e da FUMEC. Professor colaborador na FADIPA.


I. Introdução

            A teoria das nulidades no Direito Brasileiro centra-se nos arts. 166 a 184 do Código Civil. Toda ela se arquiteta a partir desses dispositivos. Estes, por sua vez, vão buscar sua origem remota no sistema de nulidades do Direito Romano, engendrado não pelos romanos, mas pelos romanistas contemporâneos, com base nos antigos textos, principalmente do Corpus Iuris Civilis, do séc. VI da era cristã.
Nossa análise tem que partir, portanto, da doutrina do Direito Brasileiro moderno, para, por meio de indagações críticas, chegar ao Direito Romano, cuja doutrina há de ser, também ela, questionada.
            Para nossa doutrina tradicional, brasileira e alienígena, em que consistiria o sistema de nulidades? Como poderia ser ele descrito? Como é aplicado?
            Estudando os autores de maior escol, acharemos muitos pontos convergentes, todos na tentativa de apresentar regras lógicas e funcionais para explicar a sistemática das nulidades. Mas seria sua explicação convincente? Seria ela consentânea com a realidade? Essa é basicamente nossa preocupação: desvendar o real sistema de nulidades do Código Civil e seu verdadeiro funcionamento na prática.
Na opinião de Caio Mário, os atos inválidos ou ineficazes lato sensu se dividem em atos nulos, anuláveis, inexistentes e ineficazes stricto sensu. (PEREIRA, p. 402 et seq.)
Para Serpa Lopes a ineficácia em sentido amplo abrange quatro categorias: nulidade ou invalidade, anulabilidade, inexistência e ineficácia stricto sensu. (SERPA LOPES, p. 443 et seq.)
Já nos dizeres de Orlando Gomes, a ineficácia lato sensu abrange a nulidade, a anulabilidade, a ineficácia stricto sensu e a inexistência. Os atos nulos e anuláveis são atos defeituosos, apenados com a sanção de invalidade. (GOMES, p. 468 et seq.)
Quanto aos efeitos, a teoria tradicional, bem representada acima, divide-os, de um modo geral, nos mesmos, para os atos nulos, anuláveis, ineficazes e inexistentes.
            Estudemos, então, a teoria tradicional das nulidades, examinando a nulidade, a anulabilidade, a ineficácia e a inexistência, a partir do Direito Romano.

II. Teoria das nulidades no Direito Romano

            Como já se disse, os romanos mesmos pouco teorizaram a respeito do tema. O estudo e a sistematização do sistema de nulidades no Direito Romano é obra posterior, que tem início no Direito Canônico medieval, desenvolvendo-se na modernidade, principalmente, nos sécs. XVIII e XIX, na Alemanha, França e Itália.
            Na opinião generalizada dos tratadistas, intérpretes do Direito Romano, os atos do ius civile eram válidos ou nulos. O Direito Pretoriano introduziu a anulabilidade, alargada e generalizada pelo Direito Justinianeu. (MARKY, p. 51)
            O chamado ius civile era o direito da cidade, o ius civitatis, o Direito Romano propriamente dito, cuja expressão máxima foi a Lei da XII Tábuas, do séc. V a.C. Era direito rígido e formalista, inadequado à evolução dos tempos, já mesmo naqueles idos anteriores à Era Cristã. Daí a importância da atuação dos magistrados que, por meio de seus editos, foram adaptando o ius civile a novas situações, emergentes de novas realidades. Esse Direito Romano, inovado pelos magistrados, principalmente pelos pretores (ius honorarium, Direito Pretoriano), introduziu a anulabilidade, mais à frente (séc. VI d.C.) ampliada pelo Direito Justinianeu.
            Nos dizeres de Moncada, a validade ou não validade de um negócio jurídico não era, pois, mais do que a aptidão desse negócio a produzir ou não todos os seus efeitos normais. (MONCADA, p. 316 et seq.)
            Havia, pois, duas espécies de nulidade: a relativa e a absoluta.
            Tratando-se de nulidade absoluta, o ato não produzia qualquer dos efeitos que se tinha em vista. Neste caso a espécie de nulidade que o feria equivalia a considerá-lo verdadeiramente inexistente.
Esses negócios não dependiam de anulação judicial. Não produziam efeitos por não existirem. Eram nulos ab origene, pleno iure. Exemplos seriam a compra e venda sem preço; o testamento sem as formalidades exigidas; etc.
Era nulo o negócio quando lhe faltasse elemento essencial.
Não é sempre fácil determinar, em face do Direito Romano, se um ato é absolutamente nulo, relativamente nulo ou anulável. O critério deve ser o do interesse em respeito do qual a ineficácia foi cominada. Se for de ordem pública, a nulidade será absoluta; se de ordem puramente privada, a nulidade será relativa ou o negócio será anulável. (MONCADA, p. 316 et seq.)
Sendo a nulidade relativa, o negócio era considerado nulo (inexistente) relativamente a certas pessoas e válido relativamente a outras. O ato podia convalidar-se. Por exemplo, cite-se o menor que aluga serviços. O negócio era nulo para o tomador e válido em relação ao menor. Se o contrato fosse adimplido, as partes não poderiam repetir o que se pagara. Daí dizer-se que se convalidava.
Outro exemplo seria o do escravo manumitido em fraude contra credores (Lex Aelia Sentia). O ato era considerado nulo apenas em relação aos credores.
            Cuidando-se de anulabilidade, o ato era válido, sendo, potencialmente, anulável. Os casos de anulabilidade eram, em princípio, a incapacidade relativa e os vícios do consentimento (erro, dolo, coação) (MONCADA, p. 324). Na verdade, é difícil estabelecer critérios seguros para identificar as causas de anulabilidade. Há quem diga que as nulidades eram de ius civile e as anulabilidades de ius honorarium (MONCADA, p. 324). Mas esse critério é falho, visto que há exemplos de nulidades de ius honorarium e anulabilidades de ius civile.
Van Wetter se refere a atos nulos ou inexistentes e a atos anuláveis, além dos válidos. (VAN WETTER, p. 178)
Eram nulos os atos, se uma das partes era incapaz por defeito de vontade, se uma das condições objetivas faltasse, se houvesse erro essencial, coação física ou simulação, e se a forma fosse inadequada. Em outras palavras, o ato era nulo se lhe faltasse vontade, objeto ou forma.
Fora desses casos, os vícios geravam anulabilidade.
Aponta Van Wetter princípios comuns aos atos nulos e anuláveis:
1o) Não se convalidavam se a causa de sua invalidade deixasse de existir. Só isso não bastava. Se o ato era nulo, é porque não existia e continuava não existindo. Se era anulável, cessado o defeito, as partes deveriam ou refazê-lo ou confirmá-lo.
2o) O ato não se convertia em outro, a não ser que houvesse disposição em contrário. Assim, uma compra e venda sem o preço não se converteria em doação.
3o) Se o defeito atingisse uma parte apenas, a outra continuava válida (utile per inutile non vitiatur).
            Indica também regras próprias dos atos inexistentes (nulos):
1a) O ato inexistente não produzia efeitos.
2a) O ato inexistente não admitia convalidação, a não ser que se o praticasse novamente, quando seus efeitos se produziriam ex nunc.
            E regras próprias dos atos anuláveis:
1a) Produziam efeitos até sua anulação.
2a) Admitiam confirmação, quando o defeito simplesmente desaparecia.
José Carlos Moreira Alves (p. 167 et seq.) afirma que, no direito clássico, havia a nulidade reconhecida pelo ius civile e que operava ipso iure e a impugnabilidade, admitida pelo ius honorarium, por meio, principalmente, da denegatio actionis, da exceptio e da restitutio in integrum. Assim, o pretor fornecia meios para que os negócios considerados válidos pelo ius civile, não produzissem efeitos. Tal era o caso da fraude contra credores, por exemplo. (p. 169)
            O Direito Justinianeu unificou o sistema clássico e pretoriano, podendo-se, a partir daí, falar em atos anuláveis. (MOREIRA ALVES, p. 169)
No ensinamento de Mario Talamanca (p. 223 et seq.), para o ius civile só havia duas alternativas: ou o negócio era válido ou ineficaz (nulo). Para eles, diferentemente dos sistemas atuais, o negócio nulo não existia. (TALAMANCA, p. 225)
         Havia casos, entretanto, em que, para o ius civile,o negócio era válido, mas, para o ius honorarium, era inválido. Nesses casos, cabia aos interessados recorrer ao pretor, dentro de certo prazo. Eram os negócios anuláveis. (TALAMANCA, p. 227)
         Vistos, em suas linhas gerais, os delineamentos da teoria das nulidades no Direito Romano, construída pelos modernos, vejamos, agora, os seus reflexos no Direito Europeu e Brasileiro.

III. Teoria clássica das nulidades

            O que denominamos teoria clássica das nulidades nada mais é que a teoria das nulidades, formulada pelos romanistas e adotada pelos civilistas, principalmente, franceses, com reflexos no Code Napoléon e na legislação posterior de todos os ordenamentos de base romano-germânica.
          Segundo essa teoria clássica, os atos inválidos seriam nulos, anuláveis ou ineficazes. Daí teríamos nulidade, anulabilidade e ineficácia.
Na opinião de Martinho Garcez,
não há no direito objectivo materia mais difficil e mais complexa do que a das nullidades, e d’ahi a impossibilidade, em que o jurista se vê, de traçar regras ou princípios geraes.
Merlin, um dos que melhor trataram a materia, apenas conseguiu estabelecer uma regra geral que é a seguinte: “As nullidades não podem ser estabelecidas senão por lei, e só a lei tem o direito de pronuncial-as”.
Mas essa regra não é geral, como pretende Merlin; ella soffre excepções, porque casos há em que a nullidade não está expressa na lei, e o juiz, entretanto, não pode deixar de declaral-a, porque, então, a nullidade é uma consequencia logica dos principios geraes do Direito, na phrase do profundo Zachariae. (GARCEZ, p. 11)          
            Ainda nas palavras desse mesmo jurista,
nullidade é a preterição de qualquer solemnidade essencial a fórma interna ou externa do acto juridico.
A nullidade dos actos juridicos só pode ser pronunciada: Iº, quando a lei expressamente a declara; 2º, quando fôr preterida alguma solemnidade substancial para a existencia do acto e fim da lei. (GARCEZ, p. 28)
As nulidades se dividem, segundo ele, em nulidades de pleno direito e nulidades dependentes de rescisão:
As nullidades de pleno direito ou nascem da violação das leis prohibitivas, promulgadas no interesse da ordem publica, porque aquillo que se faz contra a prohibição da lei é nullo, ainda que não esteja expressamente declarada a clausula annullatoria; ou nascem das leis constitutivas das formulas ou condições essenciaes dos actos que ellas instituem.
A nullidade dependente da rescisão dá-se quando no contracto, valido em apparencia, há preterição de solemnidades intrinsecas, [...]”.
A nullidade dependente de rescisão póde ser ratificada.
A ratificação tem effeito retroactivo; salva a convenção das partes e o prejuizo de terceiro.
As nulllidades dependentes de rescisão, resultando da violação das leis que não têm por fim estabelecer normas fixas, preceitos absolutos e inalteraveis, mas unicamente determinar os mais preferiveis e melhores de que podem usar as partes na defesa de seus direitos, e, por isso, chamadas nullidades no interesse das partes, para distinguir das que provêm de inobservancia das leis, que têm por fim resguardar a ordem e interesse publico, e que são chamadas nullidades no interesse da lei, são nullidades suppriveis, e a vontade das partes póde revalidal-as – Cuique licet renunciare iure in favorem suum introducto.
A nullidade dependente de rescisão só póde ser allegada com a prova de prejuizo”. (GARCEZ, p.35/39)
Os efeitos da distinção entre nulidade de pleno direito e nulidade dependente de rescisão são:
Iº Os contractos nos quaes se dão as nullidades de pleno direito consideram-se nullos e não têm valor sendo produzidos para qualquer effeito juridico ou judicial; os contractos, porém, em que intervêm nullidades dependentes de acção, consideram-se annullaveis e produzem todo seu effeito emquanto não são annullados pela acção de rescisão.
2º A nullidade de pleno direito não póde ser relevada pelo juiz, que a deve pronunciar, se ella consta do instrumento ou de prova litteral; mas a nullidade dependente de rescisão carece da apreciação do juiz á vista das provas e circumstancias
A nullidade de pleno direito póde ser allegada ou pronunciada por meio de acção ou defeza; mas a nullidade dependente de rescisão deve ser pronunciada por meio de acção competente.
Quando a nullidade dependente de rescisão é opposta em defeza, a sentença não annulla absolutamente o contracto; mas somente deve referir-se ao objecto de que se trata.
A nullidade de pleno direito póde ser allegada por todos aquelles que provarem o interesse na sua declaração; mas a nullidade dependente de rescisão só póde ser opposta por acção competente pelas partes contractantes, successores e subrogados, ou pelos credores, no caso do art. 828 do Cod. Comm.
A nullidade de pleno direito póde ser allegada em qualquer tempo e instancia; a nullidade dependente de rescisão deve ser reclamada em tempo, e por isso mesmo desattendida, quando coberta pelo consentimento expresso ou tacito da parte.
Todavia, a nullidade dependente de rescisão póde ser opposta em defeza sem dependencia de acção directa rescisora – Iº pelas partes contractantes, successores e subrogados; 2º pelo terceiro na parte em que é prejudicado e só relativamente a elle; 3º pelo exequente na execução e pelos credores no concurso de preferencia para impedirem o effeito de contractos simulados, fraudulentos e celebrados em fraude de execução.
Só as nullidades de pleno direito e absolutas podem ser pronunciadas ex-officio. (GARCEZ, p.40/43)
            Em apanhado geral, teríamos, assim:

1. Nulidade de pleno Direito

            É nulo o ato jurídico, quando em razão de defeito grave que o atinge, não produz os efeitos que deveria produzir. Pode até produzir efeitos, mas não aqueles efeitos desejados pelas partes interessadas, aqueles efeitos que era para produzir. Por exemplo, se uma pessoa casada vende bem imóvel seu, sem autorização de seu cônjuge, o negócio será nulo, não produzindo seu principal efeito, qual seja, o de transmitir a propriedade do imóvel ao comprador. O único efeito que tal ato poderá  produzir é o reembolso a que o comprador faz jus, se já tiver pago o preço do imóvel ao vendedor. Este deverá restituir-lhe o dinheiro. Mas esse não é efeito normal da compra e venda.
            A Lei Brasileira considera nulo o ato jurídico, quando praticado por pessoa absolutamente incapaz, quando seu objeto for impossível, ou quando não revestir forma adequada. Em outras palavras, sempre que o ato não observar as condições de validade dos atos jurídicos. Também será nulo o negócio simulado.               
            Mas não só nesses casos os atos jurídicos serão nulos.
            Além desses casos genéricos, serão nulos os atos jurídicos, sempre que a Lei assim o determinar, de maneira difusa, ou quando a Lei imputar ao negócio a pena de invalidade, sem especificar se nulo ou anulável.  
            Outra observação importante é a de que a nulidade pode ser total ou parcial. Às vezes a Lei diz ser nula apenas parte do ato e não ele inteiro. O Código do Consumidor, por exemplo, sanciona com nulidade somente as cláusulas abusivas. Assim, se em determinado contrato houver cláusulas abusivas contra o consumidor, pode ser que sejam nulas apenas estas, e não o contrato inteiro.
            A nulidade pode ser alegada por qualquer interessado, inclusive pelo Ministério Público e pelo juiz, ex officio. Aliás, é dever do juiz anular de ofício os atos inquinados de defeito grave.

2. Anulabilidade        

            O ato será anulável, quando inquinado de defeito leve, passível de convalidação. O ato é  imperfeito, mas não tanto e tão profundamente afetado, como nos casos de nulidade, razão pela qual a Lei oferece aos interessados a alternativa de requerer sua anulação, ou deixar que produza seus efeitos normalmente. É o caso do menor relativamente incapaz que realiza negócio, sem assistência de seus pais ou tutor. Estes podem requerer a anulação do negócio, ou não.
            São, pois, anuláveis, para o Direito Brasileiro, os atos praticados por todas as pessoas relativamente incapazes, e aqueles atos eivados de erro, dolo, coação, fraude contra credores, lesão e estado de perigo.
            Além destes casos, são anuláveis os atos jurídicos, sempre que a Lei assim o determinar, de modo esparso.
            A anulabilidade, ao contrário da nulidade, só pode ser requerida pelos que dela se beneficiem, ou seja, pelos interessados; jamais de ofício, pelo juiz.

3. Ineficácia

É ineficaz o ato jurídico, quando for válido entre as partes interessadas, e inexistente perante terceiros. Em outras palavras, o ato vale entre as partes, sendo totalmente ineficaz perante as demais pessoas.
            O melhor exemplo é o do carro vendido, sem a respectiva transferência nos registros do DETRAN. Ou seja, o carro é vendido, mas continua em nome de seu antigo dono. A venda é  ineficaz: é válida entre comprador e vendedor, mas para terceiros o carro continua sendo do antigo dono, até ser efetuada a transferência nos registros. As eventuais multas serão enviadas para o antigo dono, que, em princípio, poderá até ter que pagá-las, regressando, depois, contra o adquirente.
            Além dos atos inválidos, haveria os inexistentes.
            A inexistência dos atos jurídicos se dá, sempre que o ato contiver defeito tão grave que nem chega a existir. Falta-lhe pressuposto ou elemento essencial de existência. É diferente dos atos inválidos, porque estes existem, não produzindo, porém, os efeitos almejados. Os atos jurídicos inexistentes, nem chegam a existir. Não necessitam ser anulados. O máximo que se pode requerer é a declaração de sua inexistência.
            A teoria dos atos inexistentes foi imaginada pelo alemão Zacchariae, aceita por Démolombe, divulgada por Aubry et Rau e desenvolvida pela doutrina francesa e italiana, até  chegar a nós, no Brasil, apesar do Código Civil não a ter tutelado. (PEREIRA, p. 447; AUBRY ET RAU, p. 234)
            Exemplo de ato inexistente é o testamento verbal. Repetindo, serão inexistentes os atos aos quais faltar elemento essencial. Também se consideram inexistentes aqueles atos cuja nulidade não houver de ser pronunciada pelo juiz. É que, na verdade, não são defeituosos, mas inexistentes, no sentido de que não devem ser considerados. Tal é o caso das condições fisicamente impossíveis.
            Revolvendo a doutrina e a legislação de alguns países europeus, verifica-se que a teoria clássica predomina imperiosamente.
Para Emilio Betti,
el estudio que hemos de acometer demonstrará la oportunidad de mantener diferenciados los dos órdenes de problemas: Los concernientes a la diagnosis de la anormalidad e los que atañen a su tratamiento jurídico. [...] La oportunidad de distinguir los dos órdenes de problemas, resulta, además, del hecho de que no siempre el Derecho puede considerarse satisfecho con atribuir a la anormalidad del negocio la invalidez como consecuencia constante y exclusiva.
Un negocio de la vida real puede no ser apto para desplegar, al menos en forma duradera, todos los efectos que el derecho acompaña al tipo abstracto a que aquél pertenence. La calificación de inválido o ineficaz, que entonces se le adjudica, presupone, precisamente, un cotejo, entre el negocio concreto que se considera y el tipo o género de negocio que éste pretende representar. Y expressa una apreciación negativa que es, en cierto modo, el reverso de aquella outra, positiva, que hace la ley respecto al negocio-tipo, al que faculta para producir nuevas situaciones jurídicas.
Es evidente la oportunidad de clasificar diferentemente la carencia de efectos, según que dependa de defectos intrínsecos o de circunstancias extrínsecas al negocio jurídico en sí considerados; ponderables, los primeros, en el momento mismo en que el negocio surge o debe tomar vigor; los segundos, en cambio, sólo sobre el negocio concluído y perfecto, y tales que dan lugar a su caducidad. El criterio discriminador es el ahora enunciado. Se denomina inválido, propiamente, el negocio en el que falte o se encuentre viciado alguno de los elementos esenciales, o carezca de uno de los presupuestos necesarios al tipo de negocio a que pertenence. Invalidez es aquella inidoneidad para producir los efectos esenciales del tipo que deriva de la lógica correlación establecida entre requisitos y efectos por el dispositivo de la norma jurídica y es, conjuntamente, la sanción del deber impuesto a la autonomía privada de utilizar medios adecuados para la consecución de sus fines propios. Se califica, en cambio, de simplemente ineficaz el negocio en el que están en regla los elementos esenciales y los presupuestos de validez cuando, sin embargo, impida su eficacia una circunstancia de hecho extrínseca a él”. (BETTI, p. 348/349)
Quanto aos negócios inexistentes, Betti se posiciona:
Se ofrecen casos en los que puede hablarse de verdadera inexistencia jurídica del negocio que se há pretendido realizar, en cuanto que no existe de él más que una vacía aparencia, la cual, si puede haber engendrado en alguno de los interesados la impresión superficial de haberlo verificado o asistido a él, no produce, sin embargo, y en absoluto, efectos jurídicos, ni siquiera de caráter negativo o divergente. Por el contrario, la estimación de un negocio como nulo presupone, por lo menos, que el negocio exista como supuesto de hecho que, por tanto, exista una figura exterior de sus elementos eventualmente capaz de engendrar algún efecto secundario, negativo o divergente, aunque esta figura se revele luego inconsistente ante un análisis más profundo. Si, por ejemplo, nos encontramos con una propuesta contractual y una declaración en función de aceptación, pero cuyo contenido sea tan evidentemente contrario al contenido de la propuesta que no pueda existir sobre ello ningún malentendido, la combinación de estos actos no da lugar a uno contracto nulo, sino que no origina ningún contrato y, por tanto, ni a una acción contractual ni a una acción de daños por confianza fundada en la validez del contracto. (BETTI, p. 352)
Nos dizeres desse mesmo autor,
es nulo el negocio que, por falta de algún elemento esencial, es inapto para dar vida a aquella nueva situación jurídica que el Derecho apareja al tipo legal respectivo, en conformidad com la función económico-social que le es característica; nulo, aunque acaso pueda producir alguno de los efectos correspondientes, u otros distintos, de carácter negativo o contradictorio (ya que de outro modo más bien sería inexistente). Anulable, en cambio, se denomina al negocio que, aun no careciendo de los elementos esenciales del tipo y hasta originando la nueva situación jurídica que según el Derecho acompaña a aquél, puede – tras la reacción de la parte interesada – ser removido com fuerza retroactiva y considerado como si nunca hubiera existido. La nulidad surge aquí sólo por efecto de sentencia (constitutiva), cuando un interessado tome la iniciativa de hacerla pronunciar por el Juez, como consecuencia de los vicios que al negocio afectan. La anulabilidad corresponde a deficiencias del negocio menos graves que las que procucen la nulidad. En general, se puede decir que la anulabilidad se presenta cuando falte un presupuesto de validez, o bien, cuando un elemento esencial del negocio se halle simplemente viciado, mientras que se tiene nulidad sólo cuando un elemento del negocio está, precisamente, ausente.
Así, es natural que la nulidad, al contrario que la anulabilidad, no se prescriba y no se sane, según principio, por confirmación o ratificación sucesiva, aunque sea abstractamente concebible una diferente regulación de este punto.
La invalidez que no tenga carácter absoluto o irremediable puede ser subsanada de diferentes modos, con efecto normalmente retroactivo entre las partes. (BETTI, p. 353/365)
O Código Civil Italiano contém as seguintes normas a respeito do tema, verificando-se, entretanto, que não há disposições de caráter genérico, mas referentes a uma espécie de negócios jurídicos, qual seja, os contratos.
Art. 1.418. O contrato é nulo, quando contrário a normas imperativas, salvo quando a Lei disponha diversamente.
Tornam nulo o contrato a falta de um dos requisitos indicados no art. 1.325, a ilicitude dos motivos, no caso indicado no art. 1.345, e a falta no objeto dos requisitos estabelecidos no art. 1.346.
O contrato também será nulo nos outros casos estabelecidos em lei.         
Art. 1.421. Salvo nos casos de disposição legal em contrário, a nulidade pode ser arguida por qualquer interessado e pode ser pronunciada de ofício pelo juiz.
Art. 1.422. A ação declaratória de nulidade não se sujeita a prescrição, salvo os efeitos do usucapião e da prescrição das ações de repetição.
Art. 1.423. O contrato nulo não pode ser convalidado, a não ser que a Lei disponha de modo diverso.
Art. 1.425. O contrato é anulável se uma das partes era legalmente incapaz de contratar.
É também anulável, quando ocorrerem as condições estabelecidas no art. 428, contrato celebrado por pessoa incapaz de entender e de querer.
Art. 1.441. A anulação do contrato pode ser demandada apenas pelos interessados, indicados em lei.
A incapacidade do interdito pode ser arguida por qualquer interessado.
Art. 1.442. A ação anulatória prescreve em cinco anos.
Art. 1.444. O contrato anulável pode ser convalidado por quem tenha legitimidade para anulá-lo, mediante ato que contenha a menção do contrato e do motivo da anulabilidade, bem como declaração de que se deseja convalidá-lo.
O Código Civil Francês é pobre sobre o assunto. Apenas um artigo tem caráter, mais ou menos, genérico.
Art. 1304. Em todos os casos em que a ação anulatória ou de rescisão de uma convenção não estiver limitada a tempo menor por lei especial, esta ação durará cinco anos.
            Planiol faz diferença entre atos nulos e inúteis, asseverando que,
o ato nulo assemelha-se ao inútil pela ausência de efeitos, mas a diferença consiste em que a esterelidade do ato nulo provém da vontade do legislador e a do ato inútil da vontade das partes ou da natureza das coisas. Por exemplo, um ato, cuja condição não se implementa, se torna inútil; o mesmo ocorrerá se faltar o objeto; uma venda, por exemplo, se a coisa vendida já pereceu ou nunca existiu. O ato é regular do ponto de vista jurídico; não é nulo, é inútil. Falta-lhe seu efeito, sem que o legislador tenha necessidade de intervir, e ele não dependeria do legislador para se tornar eficaz. (PLANIOL, p. 123)
            Acrescenta o mestre francês que,
a teoria das nulidades é uma das mais obscuras que há no Direito Civil. Entretanto, deveria ser bastante simples, possuindo mesmo essa simplicidade nos primeiros tempos do Direito Romano: o ato nulo não existia para a lei, não existia, nem produzia efeitos jurídicos; nada existia.
A matéria das nulidades começou a se complicar no Império Romano, graças ao Direito Pretoriano. O pretor, não podendo, por si mesmo, anular um ato que o Direito Civil declarava válido, concedia, porém, uma espécie de reparação tão plena quanto possível, por meio de procedimento particular, a in integrum restitutio. Dizia-se, por exemplo, que um menor beneficiava-se da restituição ou que o contrato por ele celebrado estava rescindido (restituitur, rescinditur). Esse procedimento (que entra na categoria geral das ações) foi, com a exceção de dolo, um dos dois grandes meios que o pretor empregou em sua luta contra o Direito Civil. Desde então, havia no Direito Romano duas maneiras para um ato ser nulo: havia a nulidade civil, que se produzia de pleno Direito, automaticamente; e, ao lado dela, a nulidade pretoriana, que supunha o exercício de ação judicial e não se realizava que em virtude de sentença judicial.
Se tivesse ficado por aí, a teoria das nulidades seria ainda bastante simples. Infelizmente, diversas causas exteriores vieram truncá-la. As duas principais causas de complicação foram, de início, a necessidade de se recorrer à Justiça, em qualquer hipótese, havendo desavença quanto à existência da nulidade; depois, a imprecisão da linguagem empregada a propósito das nulidades. Em nossos dias, uma terceira causa veio se juntar às duas primeiras: a criação de nova categoria, a dos atos inexistentes. (PLANIOL, p. 123/124)
Conclui Planiol que,
em suma, a grande diferença que separa os autores consiste no seguinte: uns admitem nulidades, produzindo seu efeito de pleno Direito e sem julgamento, em virtude de lei; outros não concebem que tal resultado possa se produzir e exigem sempre sentença judicial para que o ato, uma vez aperfeiçoado, seja reduzido ao estado de ineficácia jurídica. (PLANIOL, p.126)
Para ele,
nada seria mais simples do que fixar a linguagem. Temos três palavras à nossa disposição: anulável, nulo e inexistente, e três situações para distinguir: 1ª o ato que a Lei não precisa anular, porque não chegou a existir; 2ª o ato anulado de pleno Direito pela Lei; 3ª o ato anulado por sentença. A palavra ‘inexistente’ designaria os atos da primeira classe; a palavra ‘nulo’ os da segunda e a palavra ‘anulável’ os da terceira.  [...] Para concluir, diremos que, por um lado, seria lastimável abandonar a ideia de uma nulidade operando seus efeitos de pleno direito, independentemente de julgamento. É tradição histórica certa [...].
Em seu juízo, “a nulidade de pleno Direito é a verdadeira nulidade, aqule que sanciona, em princípio, as proibições da Lei. [...] a simples anulabilidade é exceção, que ocorre em certos casos e por razões determinadas”.
A nulidade de pleno Direito é obra direta do legislador, que declara nulo o que foi feito. Não há necessidade de se intentar, propriamente, ação anulatória: o juiz não tem que cassar esse ato que a Lei não reconhece; a Lei mesma se encarrega disso. [...] o juiz se resumirá a constatar a nulidade; não a decretará. (PLANIOL, p. 126/130)
            Quanto à necessidade da intervenção judicial, Planiol explica que, “por outros termos, a intervenção dos tribunais, nos casos de nulidade absoluta, se fundamenta, unicamente, no princípio de que a ninguém é dado fazer justiça com as próprias mãos, e não na necessidade de cassar um ato já anulado pela Lei”. (PLANIOL, p. 125)
Seriam características dos atos nulos:
-    “a nulidade é imediata;
-          todo interessado pode arguir a nulidade;
-          a nulidade não pode ser reparada por um dos interessados;
-          a nulidade não está sujeita a prescrição”. (PLANIOL, p. 130/131)
A anulabilidade seria, para Planiol,
uma medida de proteção para determinada pessoa. [...] Essa espécie particular de nulidade difere da verdadeira nulidade, não somente por suas causas, mas também por seu modo de ação, ou seja, pelo modo como ela produz a invalidação dos efeitos jurídicos do ato aperfeiçoado. Para o ato simplesmente anulável, a nulidade não se produz de pleno Direito; é mister demandá-la em juízo para que seja pronunciada pela autoridade judiciária. Ela supõe, assim, necessariamente, a propositura de uma ação, conforme sua origem histórica, que é a ‘in integrum restitutio’ pretoriana. Essa ação se denomina, em geral, ação anulatória. (PLANIOL, p. 131/132)
Aponta ele como características dos atos anuláveis:
-          “a nulidade não é imediata;
-           a ação anulatória não pode ser intentada por qualquer um;
-           a nulidade pode ser sanada por confirmação;
-           a ação anulatória não prescreve”. (PLANIOL, p. 132)
O Código Civil Alemão é bastante pobre e assistemático. Cuida da matéria de modo casuístico, com pouquíssimas normas genéricas sobre o tema.
            O § 119, por exemplo, trata da anulabilidade por erro: “(1) Quem incorrer em erro quanto ao conteúdo de sua vontade, ou mesmo quanto ao simples fato de declará-la, poderá anular a emissão dessa vontade, sempre que se provar que a não teria declarado, se conhecesse a verdadeira situação da coisa ou as circunstâncias reais do caso”. O § 121 trata do prazo decadencial para a propositura da ação anulatória nos casos de erro. O § 125 cuida da nulidade por defeito de forma. Não é de se copiar a sistemática legal das nulidades no Direito Alemão.
            A respeito da anulabilidade (Anfechtbarkeit) por erro, Peter Bähr afirma que, “enquanto o negócio não for anulado, permanecerá eficaz; só a anulação conduzirá à nulidade. O interessado poderá, assim, reparar o erro, não anulando o negócio.
[...]
            O interessado poderá ou não anular o negócio, dentro de certos limites, pois o contrário seria intolerável para a outra parte. Há, portanto, um prazo, cujo transcurso extingue o direito à anulação”. (BÄHR, p. 104)  
            Quanto aos negócios nulos (nichtige Rechtsgeschäfte), assevera esse autor que, “a nulidade (Nichtigkeit) significa que o negócio em questão será ineficaz, desde o início, sem mais. [...] Um contrato, desde o início, não terá, por exemplo, qualquer força vinculante, nem transmitirá qualquer direito”. (BÄHR, p. 120, 104)
Afirma, outrossim, esse autor alemão que, “defeitos de forma são fundamentalmente insuperáveis. Restará ao interessado apenas a possibilidade repetir o negócio, ratificando-o, pois. A eficácia do negócio terá início, porém, apenas após sua convalidação”. (BÄHR, p. 121)
Dos quatro países pesquisados, o que melhor sistematizou a matéria em seu Código Civil, foi a Rússia.
Art. 166. Negócios nulos e anuláveis (nitchtozhnye i osporimye sdelki)
1.      O negócio será inválido pelas razões determinadas neste Código, desde que o invalide o juiz (negócio anulável - osporimaya sdelka), ou independentemente dessa invalidação (negócio nulo - nitchtozhnaya sdelka).
2.      A ação anulatória nos casos de anulabilidade poderá ser proposta por todas as pessoas indicadas neste Código.
A ação anulatória nos casos de nulidade poderá ser proposta por qualquer interessado. O juiz tem o direito de aplicar a nulidade de ofício.
Art. 167. Normas gerais sobre os efeitos do negócio inválido
1.      O ato jurídico inválido não produz quaisquer efeitos, à exceção daqueles vinculados a sua invalidade. A invalidade se considera a partir do momento em que o negócio se realizou.
2.      [...]
3.      Se do conteúdo do negócio anulável decorrer que só possa ser ele invalidado para o futuro, o juiz o invalidará para o futuro.
Kunik afirma que,
para que o negócio seja válido, várias requisitos devem ser observados: é indispensável que seus partícipes sejam capazes; a vontade declarada deve retratar a real vontade das partes; o conteúdo do negócio deve ser lícito; a forma deve ser adequada.
A falta de qualquer um desses requisitos pode trazer consigo a invalidação do negócio. Um negócio assim viciado não produz aqueles efeitos jurídicos, desejados pelas partes.
Todos os negócios inválidos se dividem em dois grupos: a) absolutamente inválidos (nulos – nitchtozhnye) e b) relativamente inválidos (anuláveis – osporimye).Nulos são aqueles negócios, inválidos por força de lei, independentemente de qualquer declaração de nulidade.
Anuláveis são aqueles negócios, cuja invalidação depende de declaração judicial, requerida por algum interessado. (KUNIK, p. 67)
            Concluindo, de uma maneira geral, afirmam os clássicos que os negócios nulos o são pleno iure, não sendo, pois, necessária a anulação judicial. O juiz não anula o que já é nulo, apenas declara a nulidade já existente por força de lei, até mesmo de ofício. Sendo assim, os negócios nulos não produzem efeitos; a sentença declaratória da nulidade opera ex tunc; não há possibilidade de convalidação futura, bem como não há prazo para o exercício do direito de pleitear a declaração judicial de nulidade.
            Quanto aos negócios anuláveis, assevera a doutrina clássica, em geral, que não sendo nulos de pleno Direito, devem ser anulados pelo juiz, que só pode agir por provocação de algum interessado. Além disso, os negócios anuláveis produzem efeitos até a anulação judicial, que opera, segundo alguns, ex nunc. São, ademais, passíveis de eventual convalidação, expressa ou tácita, uma vez que, se o interessado deixar correr in albis o prazo decadencial para a anulação, o negócio defeituoso estará sanado.
            Estes, em síntese, os principais contornos da teoria clássica. Vejamos, agora, seus pontos criticáveis.

IV. Crítica à teoria clássica das nulidades

De início, deve-se ressaltar que as críticas à doutrina clássica dizem respeito aos atos nulos e anuláveis, visto que, em relação aos ineficazes e inexistentes, a doutrina foi, razoavelmente, bem construída, apesar de uma ou outra pequena falha.
Os primeiros críticos da teoria clássica, segundo Planiol, foram Aubry et Rau e Laurent.
Laurent, que consagrou a essa matéria longas análises, toma a palavra nulo como sinônima de anulável, e reserva essas duas expressões para designar os atos anuláveis por sentença judicial, em consequência de ação anulatória; em seguida, imputa o termo atos inexistentes àqueles que são anulados pela Lei, de pleno Direito. (PLANIOL, p. 126)
Interpretados por Planiol, Aubry et Rau teriam se pronunciado como Laurent:
a nulidade jamais ocorreu de pleno Direito, em virtude de lei, mesmo nos casos em que o texto legal a qualifica de nulidade de Direito ou de nulidade de pleno Direito; deve ser sempre pronunciada por sentença. [...] Consequentemente, o ato nulo permanece eficaz, enquanto não for anulado pelo juiz, mesmo que a nulidade se fundamente em motivos de ordem pública. [...] O legislador quis simplesmente privar o juiz de seu poder discricionário e obrigá-lo a impor a nulidade, sempre que se lho demandar. (PLANIOL, p. 126)
De fato, Aubry et Rau defendem esse ponto de vista em sua obra, afirmando que
toda nulidade deve, como regra geral, ser decretada por sentença. A esse respeito, não há distinguir os casos em que a Lei se resume a prever contra um ato uma ação anulatória, daqueles outros casos em que a própria Lei anula o ato, seja de maneira pura e simples, seja com a adição das palavras de Direito ou de pleno Direito. Os atos maculados de nulidade são eficazes, enquanto não forem anulados pelo juiz. (AUBRY ET RAU, p. 234)
            Comentando o art. 41 do Decreto de 1º de março de 1808, o art. 28 da Lei Comunal de 21 de março de 1831 e os arts. 23 e 24 da Lei de 5 de maio de 1855, Aubry et Rau continuam, afirmando que
todos esses textos provam que, na linguagem jurídica francesa, os termos nulidade de direito ou de pleno direito não exprimem a ideia de nulidade, que dispensaria a intervenção judicial. Destinados a  interpretar a intenção do legislador, esses termos não possuem significado adequado e invariável: o sentido que se lhes atribui é determinado secundum subiectam materiam. (AUBRY ET RAU, p. 234/235)
Sobre a possibilidade de ratificação dos atos nulos ou anuláveis, escrevem que “as nulidades são, dentro de certos limites, que serão explicados nos §§ 337 e 339, suscetíveis de convalidação pela ratificação ou pela prescrição”. (AUBRY ET RAU, p. 235)
Em suma, afirmam esses juristas franceses que não há nulidade de pleno Direito. Todo ato defeituoso, seja o vício leve ou grave, deverá ser anulado judicialmente. Antes da sentença anulatória, nenhum ato será nulo.
No Brasil, o primeiro a adotar as críticas francesas foi Valle Ferreira, seguido por Aroldo Plínio Gonçalves, segundo os quais cabem na teoria clássica alguns reparos de absoluta pertinência.
            Valle Ferreira, muito sabiamente, ressalta que
são por demais conhecidos os embaraços que se apresentam a um estudo mais sério das nulidades, e parece bem certo que tais dificuldades se agravam em consequência da opinião divergente dos autores. Estes, em seus estudos, além de variarem na linguagem e na inteligência dos textos que examinam, quase sempre se prendem a fatos de outros tempos, ou a circunstâncias de outros lugares. (VALLE FERREIRA, p. 29)
            Em primeiro lugar, um ato só pode ser dito nulo, após o pronunciamento de sua nulidade por sentença judicial. Em outras palavras, só se pode falar em ato nulo, depois de ser ele invalidado pelo juiz. Antes de ser pronunciado nulo, teríamos apenas ato defeituoso, viciado. A nulidade seria espécie de penalidade imposta a atos defeituosos. (GONÇALVES, passim) 
            A afirmação de que a nulidade não requer pronunciamento judicial não procede absolutamente. O art. 146 diz poderem ser as nulidades alegadas por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, dependendo de seu interesse. Ademais, caberá ao juiz pronunciá-las de ofício, se delas tomar conhecimento. Em outras palavras, é necessária a intervenção do juiz, para que se aplique pena de nulidade a ato defeituoso. E pouco importa a discussão acadêmica, se a atuação do juiz é no sentido de decretar ou apenas declarar a nulidade. O que interessa é que o juiz deverá se pronunciar, sem o que o ato não será invalidado. A sentença que declara nulo um ato tem caráter constitutivo negativo. Em outras palavras, visa desconstituir relação ou situação jurídica. (PONTES DE MIRANDA, passim)
            A favor da natureza constitutiva da ação anulatória, já se posicionava Serpa Lopes, dando, para tanto, o exemplo do menor de 16 anos que assina escritura de confissão de dívida. Não é necessária ação para se reconhecer a nulidade da escritura, que se opera pleno iure. Ora, não seria tampouco necessária ação anulatória, se o menor fosse relativamente incapaz, e neste caso a escritura seria anulável. A verdade é que não interessa esse primeiro momento. Interessa sim é o momento em que o menor assina a escritura, paga a dívida e vem o representante querendo anular o negócio e restituir-se do pagamento. Neste momento, tanto faz se o ato é nulo ou anulável. A ação é fundamental e tem caráter constitutivo negativo. (SERPA LOPES, p. 453/454)
            Ato anulável, a seu turno, seria todo ato possuidor de defeito, antes de ser anulado por sentença. Dessa forma, denominam-se atos anuláveis todos aqueles atos que a doutrina tradicional chama de nulos e anuláveis.
            Anuláveis por quê? Porque defeituosos, viciados, mas ainda não invalidados pelo juiz, que só o fará, mediante requisição dos interessados, ou de próprio ofício, dependendo do defeito que atinja o ato.
            É como assevera Valle Ferreira, em relação ao Código de 1916 (e o mesmo vale para o de 2002):
O Código Civil (arts. 145 e 147) dispõe quanto aos casos de imperfeição e daquelas leis facilmente se vê que a diferença entre ato nulo e anulável apenas se encontra na causa da invalidade.
Assim, a referida divisão tem irrecusável utilidade prática no processo de punir a infração da lei, porque orienta quanto aos modos de pronunciar a invalidade, à forma de alegá-la e às pessoas qualificadas para fazê-lo.
Ficará demonstrado que, uma vez pronunciada a nulidade, não há qualquer diferença quanto a seus efeitos. (VALLE FERREIRA, p. 30/31)
            Um ato anulável pode conter defeito leve ou grave.
            Leve é o defeito que pode ser emendado pelas partes, daí só poderem requerer a anulação do ato aqueles que dela se beneficiem.
            Grave é o defeito que, uma vez suscitado, não admite correção; daí ter o juiz o dever de anular o ato, de ofício.
            Como saber se o defeito é leve ou grave?
            A resposta será dada pela Lei. No Direito Brasileiro, é grave o defeito relativo à não observância das condições de validade dos atos jurídicos, ou seja, sujeito capaz, objeto possível e forma adequada, além de outros casos específicos. Um ato inquinado por defeito grave pode nem chegar a produzir seus principais efeitos, como no caso da compra e venda de imóveis sem a outorga do cônjuge do vendedor, em que, não se admitindo o registro da escritura, a transmissão da propriedade não ocorrerá. Mas, se por falha do cartório, a escritura de compra e venda for registrada, a propriedade do imóvel, aparentemente, se transmite ao comprador, apesar do defeito grave do ato. Posteriormente, porém, poderá ser anulado, a qualquer tempo, seja a requerimento de algum interessado ou de ofício, pelo juiz. Afinal, o defeito é grave, e a propriedade só aparentemente se transferiu para o comprador. Mas se ninguém jamais requerer a anulação, o ato perdurará como se fosse perfeito. De fato, então, terá havido transmissão da propriedade.
            Vimos, portanto, que os atos que contêm defeitos graves, ditos nulos pela doutrina tradicional, podem produzir efeitos, até que sejam anulados.
            Outro exemplo esclarecedor é o de menor absolutamente incapaz, que aluga imóvel seu. Posto ser a locação portadora de vício grave, produzirá seus efeitos normais. Poderá ser anulada pelo representante do incapaz, o que não faz com que se devolvam os aluguéis já pagos. Caso o menor tivesse que devolver os aluguéis, haveria enriquecimento ilícito por parte do inquilino que teria morado de graça, aproveitando-se, pois, da incapacidade do locador. Fica, portanto, provado que, nem sempre, os atos ditos “nulos” não produzem os efeitos que deveriam produzir. Na hipótese da locação, como vimos, produziu-os de fato e de Direito.
            Já os defeitos leves são, em nosso Direito, a incapacidade relativa do agente, o erro, o dolo, a coação, a simulação e a fraude contra credores, além de outros casos específicos.
            Se o defeito é leve, vale dizer que pode ser corrigido. Em outras palavras, as partes podem convalidar o ato viciado, tornando-o válido. Se menor, com 17 anos, realiza negócio, sem  autorização de seu assistente, o ato será evidentemente anulável, por ser viciado, defeituoso. Isso não impede, todavia, que o assistente desse incapaz dê seu consentimento, ainda que a posteriori, convalidando o ato. Consequência lógica é que só os interessados podem requerer ao juiz a anulação do ato, não se admitindo jamais a declaração da nulidade, ex officio. O requerimento há de ser feito dentro de prazo fixado em lei, operando-se decadência, após seu decurso.
            Alguns adeptos da doutrina tradicional apregoam que a sentença anulatória, tratando-se de defeito grave, opera ex tunc e, tratando-se de defeito leve, opera ex nunc. Em outras palavras, se o defeito for grave, os efeitos do ato serão anulados desde sua realização. Já se o defeito for leve, anular-se-ão os efeitos, somente a partir da prolação da sentença anulatória; os efeitos passados considerar-se-iam válidos.
            É totalmente absurda a tese. De fato, uma vez anulado o ato, procurar-se-á, sempre que possível, restabelecer o status quo ante, ou seja, a situação anterior a ele. A ação anulatória tem sempre caráter constitutivo negativo. O que se almeja, em quaisquer circunstâncias, é a invalidação do ato e de todos os seus efeitos, desde o momento em que se o realizou. O que ocorre, porém, é que alguns efeitos não podem ser anulados, seja por força de lógica, seja por força de conveniência social, ou pelos dois motivos.
            Aliás, muitos dos defensores da corrente tradicional já apontam para esse princípio. Nesse rol podemos citar, dentre outros, Peter Bähr, Planiol e Kunik.
            Imaginemos o mesmo caso do contrato de locação celebrado por locador absolutamente incapaz, sem a interveniência de seu representante. O contrato poderá ser anulado, mas os aluguéis já pagos não serão devolvidos. Nessa hipótese, trata-se de defeito grave. Os efeitos do ato, porém, não foram anulados em sua totalidade. Imaginemos outro exemplo, em que uma pessoa relativamente capaz venda seu carro, sem a anuência de seu assistente. O defeito é leve, a venda é, portanto dita “anulável”. Contudo, uma vez anulada, devolver-se-á o carro e se restituirá o preço. Neste caso, embora leve o defeito, os efeitos do ato não foram mantidos.
            Outro ponto criticável é o princípio segundo o qual os defeitos graves, que inquinam os atos ditos nulos, não seriam convalidáveis. A tese não pode prosperar. Se isso é fato, após a sentença anulatória, também o é para os defeitos leves dos atos ditos anuláveis. Antes da ação anulatória, tanto os defeitos graves (em grande parte), quanto os leves, podem ser reparados.
            Vejamos um exemplo. Um menor, absolutamente incapaz, aluga um imóvel seu, sem a interveniência de seu representante legal. O ato contém defeito grave, sendo dito, assim, “nulo de pleno Direito”. Não poderia ser convalidado, segundo os clássicos. Ocorre que, tomando dele conhecimento, o representante legal além de não fazer nada para anular o negócio, ainda assina o contrato, para evitar qualquer eventual discussão. Como dizer, neste caso, que o vício não foi reparado? Que o ato é defeituoso? A anulação desse contrato seria fundada em quê?
            A verdade é que a teoria clássica se baseou na teoria das nulidades do Direito Romano e esta, por sua vez, foi engendrada a partir de falsos pressupostos, oriundos de má leitura dos textos e da própria sistemática romana.
            Como bem enfatizam Aubry et Rau, tampouco no Direito Romano, pode-se dizer, havia atos nulos de pleno Direito. Superada a fase da vingança privada; vindo o Estado a se assenhorar da jurisdição, mesmo que parcialmente, no início, já não mais é cabida a afirmação de que os atos gravemente viciados eram nulos pleno iure, dispensando a anulação judicial. Tais eram, aliás como hoje, os atos inexistentes. Os atos defeituosos, fosse o defeito grave ou leve, tinham que ser invalidados pelo magistrado ou pelo iudex, sem o que produziriam seus efeitos normais. Os mesmos exemplos dados acima, podem ilustrar o Direito Romano. A sistemática não mudou.

V. Conclusão

            Concluindo, a se adotar a melhor tese, os atos defeituosos são, em qualquer caso, sempre anuláveis. A anulação se dará a requerimento dos interessados, ou de ofício pelo juiz, em prazo estipulado em lei, ou a qualquer tempo, dependendo da natureza do vício, se leve ou grave, respectivamente. Além dos anuláveis, haveria também atos ineficazes, possuidores de defeito que os tornaria sem efeitos apenas em relação a terceiros. Já os atos inexistentes são aqueles a que falta pressuposto de existência, não chegando mesmo a se configurar na esfera do Direito.

BIBLIOGRAFIA

AUBRY ET RAU. Cours de droit civil français. 6. ed., Paris: Marchal & Billard, 1936, t. I.
BÄHR, Peter. Grundzuge des burgerlichen Rechts. 7. ed., Munchen: Vahlen, 1989.
BETTI, Emilio. Teoria general del negocio jurídico. 2. ed., Madrid: Revista de Derecho Privado, 1959.
GARCEZ, Martinho. Nullidades dos actos juridicos. Rio de Janeiro: Companhia Impressora – 7, 1896.
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 11. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995.
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Nulidades no processo. Rio de Janeiro: Aide, 1993.
KUNIK, A. Ya. et al. Osnovyi sovetskovo grazhdanskovo prava. Moskva: Vysschaya schkola, 1986.
MARKY, Thomas. Curso elementar de direito romano. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 1988.
MONCADA, Luis Cabral de. Elementos de história do direito romano. Coimbra: Coimbra: 1923.
MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano. 5. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995. v. I.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1986. v. I.
PLANIOL, Marcel. Traité élémentaire de droit civil. 4. ed., Paris: LGDJ, 1906. t. I.
PONTES DE MIRANDA. Tratado das ações. São Paulo: RT, 1973. t. IV.
SERPA LOPES, M.M. Curso de direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989. v. I.
TALAMANCA, Mario. Istituzioni di diritto romano. Milano: AG, 1990.
VALLE FERREIRA. Subsídios para o estudo das nulidades. In: Revista da Faculdade de Direito da UMG, Belo Horizonte, Ano XIV, n. 3 (Nova Fase), outubro de 1963.
VAN WETTER. Cours élémentaire de droit romain. 3. éd. Paris: A. Marescq Aîné, 1893. t. I.

2 comentários: